9 de maio de 2014

Concessões com o pé esquerdo


No final de março o governo realizou o leilão da usina hidrelétrica de Três Irmãos, o primeiro certame no novo regime de concessão estabelecido pela Medida Provisória 579. Embora as autoridades qualifiquem o leilão como o “sucesso do sucesso”, os fatos escancaram as fragilidades do novo regime de concessões.
O interesse inicial em adquirir a concessão foi grande. Das 20 empresas inscritas para participar do certame, sete chegaram a adquirir os direitos de acesso às informações do data room e a realizar a visita técnica à usina. No final, no entanto, apenas um consórcio, composto pela estatal Furnas e um fundo de investimentos, decidiram participar do certame.
A principal razão para o esvaziamento do leilão foi a indefinição quanto ao tratamento regulatório a ser dado aos investimentos e aos seus passivos judiciais e ambientais.
Nos esclarecimento do edital, uma mesma resposta dada a diversas indagações soou como refrão: “No que couber, os investimentos serão tratados no âmbito da regulamentação”. Tradução: nada se sabe sobre como os novos investimentos serão reconhecidos e remunerados. O problema surge do fato que o novo regime de concessões baseado em cotas foi concebido sobre a falsa noção de que, após a construção da hidrelétrica, a atuação do concessionário resume-se à mera operação e manutenção da usina, menosprezando a gestão de riscos e os aportes de capital requeridos para preservar a usina em boas condições operacionais.
A estiagem deste ano demonstra quão importante é a gestão de risco. No regime de cotas o risco hidrológico é repassado ao consumidor, o que neste ano deve resultar em custo adicional da ordem de dezenas de bilhões de reais. Como num prenúncio das dificuldades a serem enfrentadas, a usina de Três Irmãos também demonstra a importância dos investimentos, tão essenciais, mas tão menosprezados no novo regime de concessões. A usina foi licitada com uma de suas cinco turbinas avariadas porque o regulador demorou oito meses para autorizar o reparo.
Mesmo após a realização do leilão, permanecem dúvidas se a concessão será de fato consumada. Há pendências judiciais quanto ao valor da indenização pela reversão dos ativos e sobre a destinação da eclusa e canal adjacentes à usina. É difícil imaginar como um novo regime de concessões poderia iniciar-se de forma mais atabalhoada. O governo precisa esmiuçar melhor o novo marco regulatório antes de prosseguir com novas licitações.
Claudio J. D. Sales e Richard Lee Hochstetler são Presidente e Economista do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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